sexta-feira, 15 de julho de 2011

O SÉCULO XXI


O SÉCULO XXI



Acordei ás seis horas da manhã, ao som de uma música bem baixinha, que parecia sair do travesseiro. Ela foi ficando cada vez mais alta, e como eu não conseguia dormir, levantei-me. “Que interessante! Um despertador acionado dentro do travesseiro”! pensei eu. Lavei o rosto e tomei a refeição matinal, uma mescla dos hábitos japoneses e ocidentais: sopa de “misso”(massa de soja para fazer sopa) pão de arroz, um pouco de peixe e carne, verdura, café, chá verde etc... 

Em primeiro lugar, li o jornal. Numa manchete da primeira página, anunciava-se a eleição do Presidente mundial. O dia da eleição estava próximo. Publicavam-se os nomes e as fotos dos candidatos de diversos países: Estados Unidos,Inglaterra,França,Alemanha,Vietnã, Japão, União Soviética(cujo nome era outro) e países da América do Sul.Parece que o candidato dos Estados Unidos era o preferido. Na página três, deparei com algo inesperado: quase não existiam artigos sobre crimes. Dava-se grande destaque á parte relativa ás diversões; os artigos principais versavam sobre esporte, turismo, música, belas-artes, teatro, cinema e outras artes cênicas etc.. A composição estava realmente muito bem feita. Os artigos não eram complexos e mal elaborados como acontecia nos jornais do passado, mas redigidos numa linguagem simples e precisa, restringindo-se unicamente ao necessário. Assim , gastava-se pouco tempo na leitura; percebia-se que havia cuidado para não cansar o leitor. 

Outra nota diferente em relação aos tempos antigos, era a grande quantidade de fotos: cinquenta por cento de textos e cinquenta por cento de fotos. A página de anúncios e classificados também era muito diferente. Quase não havia propaganda de remédios, e a de cosméticos era minima. O que havia em abundância era propaganda de livros e artigos relacionados ás vestimentas, alimentação, moradia, maquinaria, novos lançamentos etc.. A parte escrita era bem reduzida, por isso eu li o jornal todo em aproximadamente quinze minutos. Terminei a leitura com muito boa disposição. Não era para menos, pois a janela era ampla e a sala estava bem clara. Não havia nenhuma instalação de segurança: explicaram-me que assaltantes e ladrões eram histórias do passado. Por isso, achei que , de fato, aquele era um mundo maravilhoso. 

Terminada a leitura do jornal, peguei o carro e saí. Estava muito bem vestido, mas fiquei surpreso com a beleza da cidade. Parecia um jardim .Engraçado é que, além dos automóveis, não se via nenhuma outro tipo de condução, o que não era de se admirar,pois os trens e os bondes trafegavam pelo subsolo; as ruas eram só para os automóveis. Além disso, estes não faziam nenhum barulho.Achando estranho, olhei bem e notei que a a rua parecia estar forrada com cortiça. Observando melhor, percebi tratar-se de um material elástico e bastante macio, que parecia ter sido preparado com a mistura de borracha e pó de serra. Os carros trafegavam com pneus de borracha, e existiam dispositivos para isolar o som em volta das janelas e em toda parte, não havendo, pois motivos para poluição sonora. Além do mais, se chovia a água se infiltrava e por isso não se formavam poços. A força motora que movimentava os carros era um minério do tamanho da ponta de um dedo. Algo realmente extraordinário, por que conseguia fazer com que um carro percorresse várias dezenas de milhas. Esse minério assemelhava-se ao urânio e ao plutônio, sendo uma aplicação do princípio da desintegração do átomo. 

Assim que entrei no caro, vi que não havia motorista. Nem era preciso, pois bastava o passageiro segurar uma barra com uma das mãos para o carro movimentar-se. É claro, porém, que algumas pessoas se davam o luxo de ter motorista. Comecei a visita da cidade. Como era bela! Fiquei surpreendido ao ver árvores frutíferas enfileiradas entre a rua e a calçada, como acontecia antigamente com a avenca-cabelo-de-venus e os plátanos. Havia figueiras, caquizeiros, ameixeiras e árvores mais baixas, como laranjeiras, pessegueiras e pereiras. No meio da rua existiam canteiros semelhantes aos de outrora, separando as duas mãos do trânsito; neles se enfileiravam árvores frondosas, cobertas de belas flores, e as bordas eram coloridas por todos os tipos de flores e plantas. Enquanto eu passava por elas, chegava a mim o perfume de uma flor que não consegui identificar. O que me pareceu mais bonito no passeio foi um caminho cheio de hortênsias, em determinado bairro, na extensão de uma milha. A segunda coisa mais bela foi o caminho que vinha em seguida, todo florido de dálias. 

Existia, também, um local onde se viam cachos de uvas pendurados nas duas calçadas das ruas e lotados de glicénias cujas flores já haviam caído e que só tinham folhas. Em diversos pontos dacidade, havia pequenas casas de chá com mesas e cadeiras enfileiradas na beira das calçadas, a fim de que os transeuntes pudessem tomar bebidas simples apreciando as flores. Cada bairro possuía um ou dois pequenos parques públicos, onde as crianças brincavam alegremente, e por isso a cidade também era o Paraíso das Crianças. Alguns jardins de flores tinham um lago artificial bem no centro, e o interessante é que, em sua superficie boiavam nenúfares. Todas as plantas eram regadas várias vezes por dia, numa hora determinada. Havia um encanamento instalado em volta dos jardins: era um cinturão quadrado, de cimento com um número infinito de orifícios. Bastava abrir torneira para que desses orifícios, saíssem jatos d’água, como os de um chafariz, molhando todo o jardim. 

Outro aspecto que me surpreendeu foi o tempo, que também era controlável, podendo-se fazer sol ou chuva. Assim, se na manhã ou na tarde de certo dia da semana chovia, depois fazia bom tempo até determinado dia. O vento também estava controlado para soprar na proporção adequada, em dias espaçados, sendo que , de vez em quando, soprava um vento forte. Isso era inevitável, para que as árvores fortificassem suas raízes. A antiga expressão “ de cinco em cinco dias ventar, de dez em dez chover”, deve referir-se a essa época. Naturalmente, tudo decorria do progresso da Ciência. Nesse meu passeio pela cidade, vi algo interessante. Em diversos locais havia umas casinhas de vidro, semelhantes a caixas, onde se podiam ver desde árvores com folhas aciculiformes até árvores que apresentam sempre o mesmo aspecto, como pinheiros,cedros,ciprestes, lariços e outras. Nessas casas conservava-se a temperatura de mais ou menos dez graus centígrados; naturalmente, havia um aparelho de ar condicionado em cada uma. Era oásis artificiais para aqueles que transitavam pelas arredores, sob sol quente do verão. Em todos esses locais vi jovens realizando diversas atividades sob a orientação de um responsável, que tinha vasto conhecimento de botânica e fora selecionado entre os componentes da comissão de cada bairro. 

Do carro, eu via as lojas da cidade, enfileiradas. Eram construções bem planejadas cheias de beleza e altivez, proporcionando uma impressão muito agradável. As lojas um pouco maiores pareciam museus de artes. Aliás, não se via construções de mau gosto,de cores berrantes, pequenas como caixinhas de fósforo. Todas tinham janelas bem amplas e iluminação suave. A beleza da pintura e da escultura estava aplicada ao máximo. Enquanto eu fazia isso e aquilo, parece que ia anoitecendo, mas não se sentia que já era noite. Aliás, não era para menos, pois nas ruas, em determinados espaços, existiam postes de iluminação a mercúrio. Os raios de luz eram diferentes dos que são emitidos pelas lâmpadas: muito mais claros, um brilho surpreendente. Parecia estar-se recebendo a Luz do Sol em plena tarde, e nenhuma das cores sofria modificação. 

Caros leitores, gostaria que imaginassem o aspecto da cidade que acabei de descrever. As mais diversas flores, todas abertas, exalavam um perfume agradável por toda parte, e as árvores estavam carregadas de todos os tipos de frutas. O silêncio era tão grande que não parecia estar-se numa metrópole. Que passeio agradável! Olhando as vitrines das lojas, eu tinha a impressão de estar vendo uma exposição de belas-artes. Naquela cidade, até as lojas bem grandes conseguiam suprir as suas necessidades com apenas um ou dois funcionários, visto que as mercadorias tinham os preços marcados e qualquer pessoa podia pegá-las e examiná-las. Se os fregueses ficavam satisfeitos com o preço e o folheto de explicação, depositavam o dinheiro na caixa coletora, colocada á entrada da loja; o embrulho era feito automaticamente por um barbante, tornando-se fácil de carregar. Dessa forma era realmente muito fácil fazer compras. 

Como sentisse fome, entrei num restaurante. Não se avistava nenhum garçom. De um lado da entrada estavam enfileirados pratos apetitosos, todos com uma identificação: A,B,C... Sentei-me num lugar desocupado e, olhando para a mesa, vi que era numerada. Depois, apertei um dos botões instalados no canto. Naturalmente, apertando o botão correspondente ao número da mesa é a identificação do prato, este aparecia imediatamente. Olhando com mais atenção, notei que no meio da mesa aparecia uma abertura mais ou menos do tamanho do prato, que por ali saía automaticamente. Assim , tudo que eu pedia subia logo em seguida. Não havia necessidade de nenhuma explicação; o serviço era muito rápido, muito agradável. Eu tinha ouvido falar que esse método já existia no século xx, mas me parecia inconcebível que estivesse tão aperfeiçoado. Obviamente, todas as bebidas saíam pela mesma abertura, mas as alcoólicas só apareciam até certo limite. 

Observando melhor, vi que havia mais um botão..”Apertei. Imediatamente surgiu a notinha. Coloquei a quantia estipulada, e logo apareceu o recibo. Que facilidade! Fiquei satisfeito e não gastei muito tempo. Por isso, resolvi ir a um teatro. A quantidade de teatros era surpreendente. Qualquer cidade os possuía em tudo quanto é lugar, e para meu espanto, o ingresso era muito barato.Imaginando que não haveria nenhum lucro, interpelei o gerente. Ele respondeu que todos os teatros eram administrados por milionários como obras sociais, e assim nem seria preciso cobrar ingresso. Não obstante a construção e as instalações eram luxuosas, ostentando a maior beleza e boa qualidade. Não se permitia a entrada de espectadores além da quantidade de cadeiras, de modo que se podia assistir muito bem ás representações. 

Quando entrei, estava havendo uma exibição cinematográfica curiosíssima. Exibiram-se dois filmes produzidos por uma companhia nipo-americana – um sobre os Estados Unidos e outro sobre o Japão.O primeiro era um filme histórico que retratava o período transcorrido desde a época em que os puritanos da Inglaterra foram para os Estados Unidos e começaram a desbravar a terra, até a Guerra da Independência. O segundo mostrava um personagem que poderíamos chamar de Cientista Religioso, o qual revolucionou a medicina e teve uma vida de lutas incessantes buscando solução para o problema da doença. Ambos os filmes eram muito interessantes. Ainda houve outro espetáculo , transmitido pela televisão, mas parecia uma peça representada em algum teatro. 

Como estava exausto, voltei para casa e fui dormir. Refletindo sobre o que vira nesse dia, concluí que realmente o sonho da humanidade havia sido concretizado. Fiquei bastante comovido, achando que era a utópia há tanto tempo idealizada por ela, e meu espírito de pesquisa aumentou de forma irrefreável, pois eu sentia necessidade de conhecer todos os aspectos de cultura da Nova Era. Primeiramente, resolvi pesquisar em silêncio. Acreditando, entretanto, que os leitores também desejam conhecer tudo sobre esse novo mundo relatei, pela ordem dos fatos, aquilo que fiquei sabendo. 

O caso que se segue aconteceu na dia seguinte ao daquele passeio. 

Um vizinho meu convidou-me para ir a um lugar muito agradável, e eu o acompanhei sem hesitar. Mais ou menos no centro de certa cidade, existia um edíficio surpreendetemente suntuoso. Dirigimo-nos para lá. Nele, havia teatro, restaurante, locais de diversão etc.. Eu quis saber que edifício era aquele, e meu amigo me disse que era o centro comunitário, acrescentando que todos as cidades tinham um ou dois desses centros. Em seguida ele falou que uma vez por semana os membros se reuniam para trocar ideias. Naturalmente avaliavam propostas sobre o plano de expansão da cidade, higiene, diversões e outros setores, objetivando aumentar o bem-estar dos cidadãos. 

Primeiramente encaminhamos ao restaurante, onde saboreamos pratos deliciosos; a refeição era excelente, muito melhor que as do século anterior, em termos de beleza, sabor da comida e aroma das bebidas alcoólicas. Pelo que meu amigo contou, uma vez por semana havia o Dia da Felicidade, em que os membros se reuniam e passavam momentos aprazíveis, saboreando pratos apetitosos, ouvindo música e assistindo a representações teatrais e exibições de dança. Nessa ocasião as danças e as músicas eram apresentadas com grande altivez, por moças de todas as famílias da cidade, as quais treinavam estas artes habitualmente. 

Artistas profissionais e amadores faziam apresentações conjuntas . Todas as despesas com essa e outras atividades eram feitas pelos milionários da cidade, através das instituições sociais. Nesse novo mundo, era surpreendente a intensidade do turismo.Nos parques nacionais de vários regiões havia um grande número de visitantes, provenientes de outros países. Consequentemente, por mais afastado que fosse um lugar, o progresso cobria todas as distâncias com trens elétricos, bondinhos aéreos e outros meios de transporte. As ferrovias e os meios de navegação eram magníficos e luxuosos; os preços no entanto, eram bem baratos. Chegava a ser quase de graça.E não era de se admirar, pois tudo isso também se tornava possível graças á contribuição social dos milionários. Ouvi todas essas explicações durante o período de descanso, e nem preciso dizer que fiquei surpreso, não obstante tudo aquilo que já tinha visto. 



(Artigo não publicado, escrito em 1948) 



Fonte: Luz do Oriente
(Biografia de Mokiti Okada)
Volume: 1 (Tradução Fundação Mokiti Okada) 
3. Edição – São Paulo – Abril /99
Págs.(40 a 46)

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